O intervalo entre as 12 e as 14 horas de cada dia era o de maior afluência ao Bandejão, apelido carinhoso do nosso restaurante principal, quando várias “ondas” de funcionários e prestadores de serviço o ocupavam seguidamente, em função das diferentes agendas, compromissos e escolha pessoal para o horário de almoço. Mas, de uma maneira geral, durante esse tempo, o restaurante estava quase sempre repleto de pessoas.
Mesas com seis lugares (três de cada lado) eram dispostas em fileiras, um pouco mais afastadas no centro do salão, o que criava uma espécie de corredor mais largo para movimentação. Havia também um espaço maior nas laterais, próximas aos painéis de vidro que circundavam todo o enorme espaço e se estendiam do teto ao chão, proporcionando ótima claridade e boa visão externa, atenuada apenas pelas cortinais de lâminas verticais.
Costumávamos descer mais ou menos ao mesmo tempo, quase sempre em grupos diferentes, em função da disponibilidade diária e da escolha de cada um.
Naquele dia estávamos eu, o Jaci, a Maria Augusta e mais três colegas da Divisão. Cada um de nós se serviu e sentou-se para almoçar, conversando sobre assuntos variados, ou seja, tudo o que não tivesse a ver com o trabalho e com a rotina diária na Ipiranga! Afinal, esse tinha sido um pacto que sempre procuramos manter, como forma de espairecermos e de relaxarmos naquele curto espaço de tempo.
No entorno, outras mesas, também repletas de pessoas de todos os setores da Empresa. Gerentes, chefes, funcionários e prestadores de serviços. Mas nem sempre grupos das mesmas áreas se sentavam juntos. Pelo contrário; na maioria das vezes as mesas eram ocupadas de forma aleatória, exceto quando havia disponibilidade de lugares e chegava um grupo maior de pessoas, como o nosso.
O burburinho era grande. Como de costume. Mas o almoço seguiu tranquilo.
A sobremesa foi laranja. Duas ou três pequenas frutas, mas muito suculentas, que foram devidamente saboreadas por todos nós, na calma de um final de almoço tranquilo, onde os assuntos palpitantes foram lentamente rareando entre nós, à medida em que aquele relaxamento natural que sucede às boas refeições tomava conta de todos.
Foi quando o Jaci (sempre ele), em pensativa contemplação ao prato à sua frente, observou que seria um tremendo desperdício não sorvermos todo aquele delicioso suco que se desprendeu das laranjas, enquanto devidamente degustadas.
Prevendo uma situação vexatória e em absoluta “não conformidade com as melhores práticas sócio-alimentares”, a Maria Augusta imediatamente protestou com energia:
-- Não se atrevam!
Mas já era tarde. Uma rápida troca de olhares entre cada um de nós, engatilhou o plano maquiavélico, de efeito altamente explosivo, mas que exigiria um perfeito trabalho de equipe.
Nada poderia falhar. Não haveria uma segunda chance!
Mais uma rápida troca de olhares e num sincronismo que parecia ensaiado, levamos os nossos pratos de sobremesa à boca e sorvemos o suco de laranja derramado sobre eles, de forma super barulhenta e proposital!
-- SLUUUURRRRRRRPPPP!
Ato contínuo, levantamo-nos todos de uma vez com as nossas bandejas, seguindo para entregá-las no guichê, em meio a um festival de gargalhadas de diversas outras pessoas das mesas próximas, surpreendidas com a bem-humorada brincadeira!
Mas também foi possível ver e ouvir a reação indignada da Maria Augusta, que reclamou o quanto pôde da nossa falta de educação e passou o resto do dia de cara amarrada!
***
Nota do Autor: O título dessa crônica eu tomei emprestado do falecido Apicius do Jornal do Brasil, que entre 1975 e 1997 publicou uma coluna gastronômica na Revista de Domingo daquele jornal, com esse mesmo nome.
Philippe Gusmão
22/02/2024
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