Parece que já foi há muito tempo…
Mas o tempo não apaga certas lembranças dos tempos de preparação para a tal da “virada”.
Vale relembrar um pouco o que acontecia com o lado prático da tecnologia em geral em 1999, o ano da competição entre os processadores Pentium 3 da Intel e os Athlon da AMD, o ano em que os microcomputadores “rodavam” o Windows 98 (se estivessem com a versão mais atual), o ano de gravar CDs de música no PC pra depois ouvir no Discman.
Trocávamos mensagens pelo mIRC, ICQ ou Messenger, usávamos o Netscape para navegar (quando possível) e precisávamos de cartões telefônicos para fazer ligações do orelhão pois poucos podiam ter um celular Motorola StarTAC ou um Nokia 5120 (os mais desejados). Eu usava um gravador micro-cassete para “anotar” o que teria que fazer no dia enquanto dirigia para o trabalho.
Era um importante momento de transição tecnológica no qual o digital começava a substituir o analógico.
O acesso à internet era feito por linha discada (56k no máximo), o que nos obrigava a usar aqueles provedores toscos que vinham nos disquetes ou nos CDs da AOL, UOL ou da BOL ou de outros que já desapareceram. Usávamos o Yahoo ou o Altavista ou o Cadê como buscadores (Google começava a aparecer por aqui). Assistir vídeos pela web era uma missão impossível com aquela lentidão que nos permitia, no máximo, fazer downloads a "incríveis" 3 Kb/s. As redes sociais nem sequer sonhavam em existir naquela época. O Blogger, que surgiu justamente naquele ano, era o que mais se aproximava das redes de hoje.
“O que o bug e eu temos em comum? R.: nenhum dos dois lembram bem das datas importantes…”
No início foi muito difícil convencer a todos da seriedade do que iria acontecer. Muitos achavam que era enganação, outros que seria um apocalipse e outros que o mundo gastaria bilhões de dólares desnecessariamente (seriam as atuais teorias da conspiração?).
Surgiram notícias de todos os tipos:
“Se você comprou seu vídeo VHS ou Betamax antes de 1998 ele não está preparado (foi quando apareceu o “Y2K compliance”) e você terá problemas com ele quando for programá-lo! O videocassete considera o ano 2000 (00) como sendo o ano de 1972 (72)* durante a programação e não grava nada do que você programou para o ano 2.000.”
* Foi em 1972 que aquela tecnologia foi lançada, tornando-se um pouco mais acessível ao grande público (Philips VCR N150O e Sony U-Matic).
Outras:
“Com a “virada” de 99 (1999) para 00 (2000), clientes de bancos verão suas aplicações dando juros negativos, credores passarão a ser devedores (e vice-versa), e boletos de cobrança para o próximo mês serão emitidos com cem anos de atraso.”
“À meia-noite do dia 31 de dezembro de 1999, muitas empresas passarão pelo susto de Cinderela, quando seus sistemas de processamento de dados se transformarem de velozes carruagens transportando informação, em abóboras imóveis!”
E a mais recente de todas:
“Em 2038 os processadores de 32-bit podem parar de funcionar, pois não conseguirão mais contar o tempo.”**
“Alguns de nossos colegas de trabalho começaram a ficar preocupados com seus “Flight Simulators” (qualquer versão): será que vão continuar a funcionar? E os aviões? Vai dar pra pilotar? E o Gameboy do meu filho”
Apesar dos avisos sobre os possíveis problemas existirem desde os anos 1970 (particularmente por parte do pioneiro da computação Bob Bemer, responsável pelas linguagens ASCII e COBOL (alguém lembra dele? Se quiser, veja mais em https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Robert_Bemer)) o Bug do Milênio só começou a ser visto como uma ameaça à civilização moderna em meados dos anos 1990, quando computadores pessoais começaram a se tornar mais comuns no dia a dia das pessoas, das empresas e dos governos.
No nosso caso, o processo de convencimento dos usuários e gerentes só começou a frutificar em 1997 (se algum bug daquela época não “alterou” minha memória…).
“Como usuário Windows, estou 100% preparado para a entrada do ano 2000. Comprei um Macintosh!”
Nosso projeto começou em 1996, com o planejamento e definição de todas as fases, etapas e atividades, utilizando o que aprendemos com o Zig (Zigmundo Salomão Cukierman, consultor e administrador de empresas), i.é, as estruturas analíticas e, a partir delas, a definição de redes Pert, utilizando o MS-Project (lembro-me que identificamos mais de 2100 atividades a serem executadas envolvendo todos os funcionários da Divisão).
As alterações, que um leigo julgaria ser simples - passar a representar o ano com 4 dígitos - eram bem complexas pois envolviam muita coisa: desde formulários, passando por quase todos os programas dos sistemas administrativos, operacionais e de automação e controle e chegando até mesmo aos computadores, alguns periféricos e certos tipos de sensores.
Sem esquecer todo o ambiente de telecomunicações (interno e externo) e sem contar as empresas fornecedoras, os clientes, todos os postos e as outras empresas do grupo.
Lembro-me também que, numa certa altura começamos a ficar preocupados com os caminhões da Tropical - pensávamos nas multas que poderiam acontecer se os DETRANs não conseguissem concluir a preparação. Depois de vários contatos, fiz uma apresentação na sede do órgão no Rio em meados de 1998 e fiquei apavorado pois nada tinha sido feito até então. Os gerentes e chefes achavam que nada de grave ia acontecer “pois os sistemas deles eram muito bem feitos”… À medida que fui detalhando o que já tínhamos feito e o que ainda faltava fazer, eles é que começaram a ficar apavorados! Felizmente resolveram o bug de alguma maneira…
Praticamente todas as nossas atividades foram concluídas como planejado, com muitas horas extras e muita dedicação. E muito bom-humor, apesar do stress! O projeto foi concluído com 99,999% de índice de sucesso. O único problema identificado aconteceu numa impressora da Base de Caxias, por causa de uma goteira no telhado (choveu bastante naquela virada de ano).
Motivo de muito orgulho para todos nós, não? Um dos maiores e melhores projetos de que participei!
Quase encerrando, algumas observações obtidas no ChatGPT:
“Apesar dos temores iniciais, o Bug do Milênio acabou sendo relativamente benigno, e os impactos negativos foram limitados, graças aos esforços de muitas pessoas em todo o mundo para corrigir o problema.”
“O custo total estimado para corrigir o Bug do Milênio em todo o mundo foi de cerca de US$ 300 bilhões.”
"Eu acho que o Bug do Milênio acabou sendo um grande sucesso - afinal, eu ainda estou aqui para contar a história!"
Para encerrar, vale comentar que ao pesquisar a internet para obter mais informações, fiquei impressionado com as surpreendentes e inusitadas distorções e erros sobre o Y2K que lá existem, escritas e propaladas, via de regra, por quem não vivenciou (profissionalmente) aqueles momentos - nascidos no fim da década de 80 e na década de 90 - que hoje são “youtubers”, “influencers”, “bloggers”, “instagramers”, “coachers”, e outros “ers”…
A internet trouxe muitos benefícios. Mas há muita coisa errada e falsa por lá.
Por isso, pesquisar nas fontes confiáveis torna-se cada vez mais importante!
Fontes:
- Banco Interamericano de Desenvolvimento - As lições do bug do milênio
- ideiasembalsamadas.blogspot.com - Ser adolescente em 2000
- uol.com.br - Apocalipse ou enganação: o que foi o Bug do Milênio
- Wikipédia - Bug do Milênio
- ChatGPT - várias pesquisas sobre termos como Y2K, bug do milênio, etc.
- Google Bard - não está disponível nesta data (06/2023)
- **Wikipédia - o problema do ano 2038
Ricardo Costa
24/05/2023
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